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Elas no Jota: superação da doutrina Chevron reverbera no Brasil?
Elas no Jota: superação da doutrina Chevron reverbera no Brasil?

Pesquisadoras do GDPP publicaram texto novo, confira!

Em mais um texto para a coluna “Elas no Jota”, as pesquisadoras Clara Mota, Beatriz Kira, Carolina Saito, Mariana Levy e Raquel Pimenta, do GDPP/USP, discutem o controle judicial sobre atos de regulação emitidos pelas agências reguladoras. As autoras escreveram sobre a revogação da doutrina Chevron nos EUA, e sobre possíveis impactos no Brasil.

Elas levantam o debate sobre a necessidade de equilíbrio entre a atuação das agências reguladoras e a supervisão judicial. Confira, abaixo, alguns trechos do artigo “Judiciário e regulação: superação da doutrina Chevron reverbera no Brasil?”:


O ano de 2024 colocou em evidência o tema do controle judicial sobre atos de regulação emitidos pelas agências reguladoras. A superação do precedente de 1984, Chevron U.S.A. Inc. v. Natural Resources Defense Council, pela Suprema Corte norte-americana, reacendeu o debate sobre a (des)necessidade de deferência judicial em relação à atuação das agências reguladoras e quanto à própria natureza da dinâmica que se estabelece entre o Poder Judiciário e os reguladores.

Na coluna deste mês, a partir do julgamento do caso Loper Bright Enterprises et al. V. Raimondo, Secretary of Commerce, responsável por colocar uma lápide em Chevron, buscamos discutir como a intervenção judicial sobre a regulação tem se dado no Brasil e se o declínio da doutrina Chevron, estabelecida há quarenta anos, poderá acirrar as disputas políticas em torno da regulação também por aqui.

Em recente texto neste JOTA, Eduardo Jordão explica que a importância de Chevron reside no fato de ser a decisão mais citada pelos juízes norte-americanos em toda a história, inserindo ainda mais o tema da regulação na arena da polarização política.

Anthony Zurcher e colaboradores resumem que, há décadas, correntes conservadoras buscavam superar Chevron como uma forma de erodir a burocracia federal daquele país, o chamado “estado administrativo”, instituído na década de 1930 com o New Deal. E, a partir dessa última sinalização da Suprema Corte dos EUA, projeta-se um futuro de fortes ataques à regulação, especialmente em temas referentes ao meio ambiente, à saúde e à alimentação.

A doutrina Chevron também é bastante relevante e citada em outros países, como ocorre nas discussões sobre deferência judicial a decisões de agências reguladoras no Brasil.

Ao adotar a agencificação, o Brasil aproximou-se do modelo norte-americano que confere autonomia e poder normativo primário a essas instituições, fortalecendo as capacidades estatais regulatórias. No entanto, a modelagem foi adotada em nosso país nos anos de 1990, num contexto que Miola e Coutinho consideram como marcado por um neoliberalismo de primeira fase, no qual às agências competia a tarefa de fornecer uma espécie de blindagem para o funcionamento dos mercados. Naquele momento, vigia a orientação de que o controle judicial deveria ser deferente às agências, linha também adotada pelo Supremo Tribunal Federal.

Atualmente, tanto Estados Unidos quanto Brasil apresentam conjunturas marcadas por potenciais riscos às capacidades estatais regulatórias, porém existem peculiaridades da nosa judicialização que podem agravar esses riscos gerais compartilhados.

O Judiciário brasileiro possui um desenho que permite alta litigiosidade e fragmentação de decisões. Assim, se por um lado, não é certo que a nova orientação do caso Loper Bright produzirá consequências diretas de alteração de posicionamentos judiciais, por outro, a erosão da doutrina de deferência refletida no caso Chevron pode acirrar um estado de coisas voltado, em ambos os países, ao enfraquecimento da regulação.

O fim da deferência

A possibilidade de exercício de controle judicial é ínsita ao modelo de Estado regulador. Schapiro afirma que a intervenção regulatória está associada a um modelo pluralista de governança administrativa, baseado em uma atividade burocrática legalizada e em um controle judicial ativo das decisões da administração pública. A forma e o grau dessa intervenção, no entanto, são objeto de intensa controvérsia, seja no campo da teoria, seja na atuação prática dos tribunais.

A doutrina Chevron consolidou um duplo teste a ser respondido pelos juízes antes de se arvorarem a controlar os atos de regulação emitidos pelas agências reguladoras. O primeiro passo seria o de discernir se o Congresso tinha falado diretamente sobre a questão.

A Corte explicou que “se a intenção do Congresso for clara, esse é o fim da questão”, e os tribunais deveriam, portanto, “rejeitar construções administrativas que sejam contrárias à intenção clara do Congresso”. Mas, num caso em que a lei for omissa ou ambígua, os tribunais não poderiam simplesmente impor a sua própria interpretação do estatuto. Em vez disso, na segunda etapa da Chevron, o tribunal deveria submeter-se à agência, se esta tivesse oferecido uma interpretação razoável da legislação.

A aplicação de Chevron sempre foi controvertida. Conservadores norte-americanos apontavam a sua inconstitucionalidade por transferir o poder judicial de definir “o que a lei é” para as agências, maximizando a sua discricionariedade e fortalecendo o Poder Executivo.

No caso Loper Bright, a posição da Corte foi diametralmente oposta àquela estabelecida pelo precedente Chevron.

Em ação na qual empresas familiares de pescadores contestaram regra do National Marine Fisheries Services, que exigia o pagamento de observadores para fiscalização dos planos de gestão da pesca, decidiu-se que o Administrative Procedure Act (APA) exige que “os tribunais exerçam seu julgamento independente ao decidir se uma agência agiu dentro de sua autoridade, e os tribunais não podem ser deferentes à interpretação da lei por uma agência simplesmente porque um estatuto é ambíguo”. Os fundamentos residem na aplicação da ideia de independência e separação dos poderes, conforme o precedente de Marbury v. Madison, e de que, no fim das contas, a doutrina Chevron nunca foi aplicável e operacional, apesar de vigorar por 40 anos.

Refletindo sobre esse novo estado de coisas voltado a um ativismo judicial conservador, K. Sabeel Rahman pontuou que a superação de Chevron coloca em risco a própria forma do estado administrativo norte-americano, apresentando implicações maiores no que concerne à democracia e à equidade. Em suas palavras, a decisão de Loper Bright é uma chancela judicial para uma determinada visão de futuro, na qual a dominação econômica se impõe.

Portanto, Loper Bright propicia uma declaração ampla de incentivo ao controle judicial de questões de regulação econômica, sem trabalhar com a noção de intervenções procedimentais e pontuais, que não se substituam à política construída pelo órgão regulador.

Leia o texto na íntegra, no Jota.