Tathiane Piscitelli (FGV) e Diogo Coutinho (GDPP) publicaram artigo sobre Reforma Tributária
O Senado Federal aprovou a Reforma Tributária, no dia 8 de novembro, que volta à Câmara dos Deputados para nova discussão. A criação do Imposto Seletivo sobre bens e serviços nocivos à saúde e ao meio ambiente está mantida, mas as brechas que permitem alíquotas reduzidas para agrotóxicos e ultraprocessados continuam no texto em trâmite.
No dia 27 de outubro, Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP, e Diogo R. Coutinho professor da Faculdade de Direito da USP e pesquisador do GDPP, publicaram o artigo “A tributação seletiva de produtos nocivos”, no Valor Econômico. Eles afirmaram que “a saúde e o orçamento públicos agradecerão se os impostos seletivos puderem de fato ser aplicados, entre outros, a agrotóxicos, refrigerantes e alimentos ultraprocessados”.
O texto não pode ser publicado na íntegra, segundo a política do veículo. Confira alguns trechos:
“Políticas fiscais desse tipo, voltadas a promover alimentação adequada e saúde, são hoje vistas como ferramentas eficazes sobretudo quando combinadas com outras ações governamentais, como a regulação da indústria. Tomar bebidas e alimentos não saudáveis, assim como o tabaco e outras substâncias, menos acessíveis à população tem sido, cada vez mais, parte da agenda global da promoção da alimentação saudável e no combate a doenças crônicas não transmissíveis.
Nesse ponto, a legislação brasileira atual demanda aprimoramentos relevantes. Apenas para citar dois exemplos, o sistema vigente garante benefícios tributários significativos a agrotóxicos e a bebidas ultraprocessadas, como os refrigerantes. Quanto aos agrotóxicos, além da redução de 60% aplicável à base de cálculo do ICMS, não há tributação pelo IPI, por conta dos mecanismos de não tributação ou alíquota zero. Para os refrigerantes, a produção dos insumos na Zona Franca de Manaus combinada à apropriação dos créditos pelos adquirentes, ainda que não haja incidência do imposto, assegura carga tributária reduzida ao setor.
Uma saída possível para enfrentar essas distorções estaria na criação de imposto seletivo sobre tais bens. Diante de evidências científicas robustas quanto aos males que alimentos e bebidas ultraprocessadas, além de agrotóxicos, geram à saúde, a tributação nesses termos estaria, vale dizer, plenamente justificada, nos termos do artigo 153, inciso VIII.
Contudo, isso depende de um outro dispositivo da PEC 45, cuja permanência no texto é incerta, trata-se do artigo 9°, parágrafo 9º da versão aprovada na Câmara dos Deputados; norma que impede a tributação seletiva de bens e serviços que se beneficiem da redução de 60% da alíquota do IBS e da CBS, conforme o parágrafo 1º do mesmo artigo. Em outras palavras: de acordo com o texto inicial da reforma, se certos bens e serviços se beneficiam da redução de alíquotas por serem considerados essenciais, eles não poderão, ao mesmo tempo, ser tributados seletivamente com a finalidade de desestimular seu consumo.
Isso faria sentido desde que o rol constante da PEC não comportasse a extensão de benefícios a produtos que, ao contrário, são causadores de males à saúde e ao meio-ambiente, assim, adequados à tributação seletiva. Alimentos ultraprocessados e agrotóxicos são, portanto, exemplares dessa distorção paradoxal, já que há o risco de serem qualificados como “insumos agropecuários” e “alimentos destinados ao consumo humano”, ambas categorías presentes no inciso VII do parágrafo 1º do artigo 9º da PEC e, por isso, beneficiadas com alíquotas reduzidas e sobre as quais não poderá haver tributação seletiva.