Pesquisadores do GDPP publicaram artigo na Folha de S. Paulo
Em artigo de opinião publicado na Folha de S.Paulo, em 20/10, Diogo Coutinho, Beatriz Kira e Vitória Oliveira, pesquisadores do GDPP, associaram o vício em apostas (as bets), fenômeno em disparada no Brasil, a outras indústrias que lucram com produtos prejudiciais à saúde — como tabaco, álcool e alimentos ultraprocessados. Os autores defendem que essas organizações se sustentam e se expandem em um modelo econômico baseado na criação e manutenção de vícios.
Os pesquisadores discutem que essas empresas utilizam estratégias sofisticadas de marketing e táticas regulatórias para garantir a dependência dos consumidores e, assim, maximizar seus lucros. Além disso, argumentam que, apesar dos esforços regulatórios em diversos países, a influência dessas indústrias continua prevalente, principalmente em ambientes onde a fiscalização é falha e as políticas públicas são frágeis. Essa dinâmica alimenta um ciclo de desigualdade social, agravando os efeitos nocivos sobre a saúde coletiva e sobre populações mais vulneráveis. Confira trechos do artigo “A economia do vício”, abaixo:
Cigarros, vapes, bebidas alcoólicas, refrigerantes e bebidas açucaradas, jogos eletrônicos, redes sociais, alimentos ultraprocessados, entre outros, são todos, assim como as apostas, produtos feitos para causar dependência física ou psicológica.
Açúcar, nicotina, corantes, aromatizantes, emulsificantes e outros aditivos, bem como truques de design nas telas de dispositivos eletrônicos, agravam a compulsão desenfreada e ansiosa por dopamina. O consumo desses produtos, que fazem mal à saúde, gera custos imensos ao sistema de saúde, à sociedade e às famílias, sem falar nos danos psicológicos e emocionais em crianças e adolescentes.
Quando confrontadas com críticas que defendem uma regulação rigorosa ou a mesmo a proibição, as indústrias que operam esse modelo de capitalismo movido a fissura se valem cinicamente do argumento de que indivíduos são livres e autônomos para tomar decisões que envolvem seu corpo e recursos, razão pela qual o Estado não deve se meter em suas vidas.
Também recorrem ao mantra de que a liberdade econômica é sagrada, de modo que sua restrição nesses casos implica uma ação paternalista e intrusiva do Estado. Nada mais falacioso. As pessoas não são capazes de lidar facilmente com o vício; não é uma questão de força de vontade. A restrição da liberdade econômica não é sinônimo de autoritarismo, e o vício e a compulsão consumista são doenças contemporâneas.
Também se diz que a adição é transmitida geneticamente, o que é igualmente falso. Por isso, produtos que causam dependência devem ser regulados, cada um a seu modo, por meio de uma política pública integrada de alimentação e saúde. Informações sobre sua composição e efeitos, a disciplina de sua publicidade e promoção, condições de oferta, alertas sobre os males que trazem, bem como ferramentas tributárias (impostos seletivos), são parte dessa agenda premente.
A regulação da economia do vício tampouco se confunde com uma violação do livre-arbítrio. Ao contrário, ela serve —não sem desafios ao longo do caminho— para implementar direitos, proteger indivíduos e fomentar a saúde pública. A regulação das bets deve ser debatida mais amplamente e precisa ser aprimorada antes de entrar em vigor. Não resolve o problema proibir os beneficiários do Bolsa Família de apostar. Não basta derrubar as bets ilegais. O problema é bem mais grave e precisa de soluções de longo prazo.